Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence
Bertolt Brecht
“Não há nada ruim que não possa piorar”, dizem as línguas do senso comum. Nada mais verdadeiro quando se trata do ultraliberalismo no século XXI. Os provérbios, como dizia Aldous Huxley, são sempre chavões até experimentarmos a verdade contida neles. Um exemplo trágico e sintomático desta frase é o laboratório de empreendimentos particulares do governador e empresário Ratinho Jr.
O Governo do Paraná aprovou, em regime de urgência, a lei de privatização de mais de duzentas escolas públicas. Votou em 2 dias um projeto de lei de 4 páginas, sem nenhuma emenda. Como acontece com frequência, não houve qualquer diálogo e debate com as comunidades escolares, tampouco com a sociedade paranaense como todo, apenas o investimento maciço em propagandas favoráveis à terceirização da gestão das escolas e o roubo sorrateiro de dados de familiares dos estudantes para disparar um vídeo por Whatsapp.
Herdeiro de Beto Richa, os cães de guarda do Rato reprimiram manifestantes na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) durante a votação. O mesmo deu ordem de prisão para Walkiria Mazeto, presidenta da Associação Paranaense de Professores, sindicato que representa os professores no estado, pelo “crime” de lutar pelo direito constitucional à greve. O documento foi assinado por Mariana Carvalho Waihrich, promotora pós-graduada no Centro Universitário Positivo (possível grupo empresarial interessado na gestão das escolas). A ordem de prisão possui 11 páginas, bem mais extensa que o projeto, agora lei. Com sanha antidemocrática e autoritária, o governador, uma versão paranaense “polida” de Bolsonaro, quer prender sua adversária e pretende enquadrá-la como criminosa por exercer um direito previsto na carta magna do país.
O governador exonerou a diretora do Instituto de Educação por ter se posicionado em defesa da greve. Agora, no dia de ontem (07/06/2024), o governo pôs em sigilo por 5 anos documentos da Secretaria da Educação. Ele se diz um político “democrático”. Os militares na ditadura também, nos discursos, se diziam democráticos e preocupados como o povo brasileiro; quando estavam, na verdade, a serviço do fascismo com a perseguição às vozes divergentes.
A privatização das escolas, como experimento que configura um ataque ao princípio da gestão democrática, assegurado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB) e na Constituição de 1998, pode espraiar para a rede municipal e o ensino superior. Empresas e conglomerados educacionais que, de olho em abocanhar recursos públicos, porão fim aos concursos para professores na rede de ensino; diminuirão salários sob a lógica do lucro; intervirão no controle pedagógico e na autonomia dos docentes; decidirão quais serão os diretores das escolas, com o fim da escolha das comunidades escolares; demitirão, sem justa causa, professores PSS e porão o fim à estabilidade profissional, com consequências na formação continuada de professores e funcionários.
Quem não estiver satisfeito, como diz o ditado, “a porta da rua é a serventia da casa”. Serão estabelecidas "metas", como se a educação pública fosse mercadoria, e não a formação dos séculos da humanidade nos sujeitos humanos, com ritmos de aprendizagem diversos. O que está em jogo, afinal? O futuro de uma geração. A precarização da administração pública, com riscos para a corrupção nas prestações de contas, adulteradas. Um mercado faminto para incorporar os jovens em profissões precárias e mal remuneradas. Certamente não é no espaço formativo das universidades que os patrões querem os jovens.
O ultraliberalismo vai além das escolas e universidades. Não se contenta com a “coexistência do privado e do público” previsto na Constituição: privatiza a água, a terra, a energia, o petróleo, as rodovias, os hospitais, os presídios, quer privatizar até mesmo as nossas praias; e, se houver possibilidade, colonizar outros planetas longínquos quando este for destruído até a última árvore.
“Parece que hoje é mais fácil imaginar a deterioração total da Terra e da natureza do que o colapso do capitalismo tardio; e talvez isso possa ser atribuído à debilidade de nossa imaginação”, como disse o crítico literário Fredric Jameson, ao trazer à tona uma reflexão recuperada por Mark Fisher no formato de uma indagação ou aporia: é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo? O ultraliberalismo propõe, no fundo, a construção de uma nova subjetividade humana, ou seja, um "novo homem", adaptado a lutar pela conquista do seu futuro individual: feliz no âmbito microssocial, nos perímetros bem definidos de uma solidariedade restrita, mas sem que qualquer horizonte coletivo garanta a permanência dos direitos sociais e o acesso ao bem comum.
Se pudessem, até mesmo o ar que respiramos se tornaria fonte de lucro para os capitalistas; e aqui refiro-me a poucos indivíduos que povoam nosso planeta, a classe dos que andam monitorados e protegidos, herdeiros de fortunas e que se apossam da riqueza gerada pelo trabalho coletivo. Os que os defendem não se encaixam nesta categoria, são meras formiguinhas que defendem seus tamanduás. Em um planeta finito, a ganância da racionalidade ultraliberal mostra-se infinita, predadora da Natureza e da dignidade da classe trabalhadora.
Nesse momento de abalo dos que lutam por uma educação pública, gratuita e de qualidade somos assolados pelo pessimismo da inteligência descrito pelo escritor Romain Rolland e relembrado por Antônio Gramsci nos cadernos do cárcere, quando o revolucionário sardo ressaltou que, mesmo pessimistas, não devemos perder de vista o otimismo da vontade. Só a luta muda a vida. Lutemos para que em um mundo com a lógica do privado, não sejamos privados de tudo.
Escola não se vende, escola se defende!
Não à privatização das escolas no Paraná!
Gabriel Cavallari Cortilho
Doutorando (UEPG)